sábado, maio 01, 2010

PERCEPÇÕES DO CRISTO

E não era meramente uma revolução moral e social que Jesus proclamava: fica claro por um grande número de indicações que seu ensino tinha uma inclinação política muito manifesta. É verdade que ele disse que seu reino não era deste mundo, e situava-se no coração dos homens e não sobre um trono; porém fica igualmente claro que em todo o lugar e na medida em que seu reino se estabelecesse no coração dos homens, o mundo exterior seria naquela mesma medida revolucionado e renovado.

O que quer que a cegueira e a surdez dos seus ouvintes tenham deixado de captar das suas palavras, é muito evidente que não deixaram de captar sua firme resolução de revolucionar o mundo. Todo o método da oposição levantada contra ele, bem como as circunstâncias de seu julgamento e execução, demonstram claramente que para seus contemporâneos ele parecia estar propondo sem rodeios, e de fato propôs sem rodeios, alterar e fundir e alargar toda a vida humana.

Em vista das coisas que Jesus disse claramente, será de espantar que todos que eram ricos e prósperos tenham intuído um horror de coisas insólitas, o naufrágio iminente de seu mundo diante do seu ensino? Ele estava arrastando todas as pequenas reservas que eles haviam levantado contra o serviço social e trazendo-as para fora, para luz de uma vida religiosa universal. Ele era como um terrível caçador moral que forçava a humanidade para fora das cômodas tocas nas quais tinham vivido até aquele momento. No esplendor branco do reino dele não deveria haver propriedade alguma, privilégio algum, nenhum orgulho e nenhuma preferência; nenhum motivo e nenhuma recompensa que não fosse o amor. Será de espantar que os homens se tenham ofuscado e cegado e clamado contra ele? Mesmo seus discípulos clamavam em protesto quando ele não os poupava da luz. 23 fev excluir Sandro
Será de espantar que os sacerdotes tenham percebido que entre este homem e eles mesmos não havia outra escolha, senão que ele ou o sacerdócio teriam de perecer? Será de espantar que os soldados romanos, confrontados e estupefatos diante de algo que se alçava muito além da sua compreensão e ameaçava todas as suas disciplinas, tenham buscado refúgio na risada selvagem, tenham-no coroado de espinhos e vestido de púrpura e feito dele uma versão de César da qual pudessem caçoar? Pois levá-lo a sério era adentrar uma vida estranha e intimidadora; era abandonar hábitos, controlar instintos e impulsos, era ensaiar uma incrível felicidade.

H. G. Wells, Breve História do Mundo (1922)