quinta-feira, dezembro 27, 2012


SERÁ QUE C.S.LEWIS FREQUENTARIA ALGUMA IGREJA HOJE?


Toda novidade, por si só, tem valor de entretenimento apenas. E eles não vão à igreja para serem entretidos. Vão para consumir o culto, ou, se preferir, para encená-lo. Todo culto é uma estrutura de atos e palavras por meio dos quais recebemos um sacramento, ou nos arrependemos, ou suplicamos, ou adoramos. Permite-nos fazer tais coisas melhor — isto é, tudo “funciona” melhor — quando, em razão de uma familiaridade antiga, não precisamos mais pensar. Quem presta atenção e conta os passos ainda não dança, apenas aprende a dançar. Sapato bom é aquele que passa despercebido no pé. A leitura torna-se prazerosa quando você não pensa mais nos seus olhos, na luz, na letra impressa, na grafia das palavras. O culto perfeito na igreja seria aquele que transcorresse quase de forma imperceptível para nós, porque nossa atenção estaria voltada para Deus.
No entanto, toda novidade impede que isso aconteça. Ela fixa nossa atenção no culto em si, e pensar sobre a adoração não é o mesmo que adorar. [...] Algo pior ainda pode acontecer. A novidade é capaz de fixar nossa atenção não no culto em si, e sim no celebrante. Você sabe o que quero dizer. Por mais que se tente evitar a pergunta “O que será que ele vai fazer agora?”, ela acaba se insinuando e pondo por terra toda a nossa devoção. Há, de fato, que se desculpar o homem que disse: “Gostaria que se lembrassem de que a ordem dada a Pedro foi ‘Cuide dos meus cordeiros’, não ‘Faze experiências com meus ratos’ ou, então, ‘Ensina novos truques aos meus cães amestrados’”.
Portanto, minha posição em relação à liturgia resume-se, a bem da verdade, a um apelo em favor da continuidade e da uniformidade. Posso suportar qualquer tipo de culto, seja ele qual for, contanto que permaneça sempre igual. No entanto, se toda forma é arrebatada de mim no momento exato em que começo a me sentir à vontade com ela, jamais conseguirei progredir na arte da adoração. Negam-me a possibilidade de adquirir a prática do ofício — o habito dell’arte.
C.S.LEWIS..

Under Creative Commons License: Attribution Non-Commercial Share Alike

No Coração do Pai: Jesus, O Cristo e os Genéricos

No Coração do Pai: Jesus, O Cristo e os Genéricos: Sempre houve tentativas de apresentar Jesus de uma forma “adaptada”. É o que o teólogo anglicano John Stott chama de “tentativas de moderniz...

MICHEL CAMILO - CARIBE 1996

CASAMENTOS TENIS X FRESCOBOLL




Depois de muito meditar sobre o assunto
concluí que os casamentos são de dois tipos: há os casamentos do tipo tênis e
há os casamentos do tipo frescobol. Os casamentos do tipo tênis são uma fonte
de raiva e ressentimentos e terminam sempre mal. Os casamentos do tipo
frescobol são uma fonte de alegria e têm a chance de ter vida longa.


Explico-me. Para começar, uma afirmação de Nietzsche, com a qual concordo
inteiramente. Dizia ele: “Ao pensar sobre a possibilidade do casamento cada um
deveria se fazer a seguinte pergunta ‘Você crê que você seria capaz de
conversar com prazer com esta pessoa, até a sua velhice?’ Tudo o mais no
casamento é transitório, mas as relações que desafiam o tempo são aquelas
construídas sobre a arte de conversar.”


Xerazade sabia disso. Sabia que os casamentos
baseados nos prazeres da cama são sempre decapitados pela manhã, terminam em
separação, pois os prazeres do sexo se esgotam rapidamente, terminam na morte,
como no filme O Império dos Sentidos. Por
isso, quando o sexo já estava morto na cama, e o amor não mais se podia dizer
através dele, ela o ressuscitava pela magia da palavra: começava uma longa
conversa, conversa sem fim, que deveria durar mil e uma noites. O sultão se
calava e escutava as suas palavras como se fossem música. A música dos sons ou
da palavra - é a sexualidade sob a forma da eternidade: é o amor que ressuscita
sempre, depois de morrer. Há os carinhos que se fazem com o corpo e há os
carinhos que se fazem com as palavras. E contrariamente ao que pensam os
amantes inexperientes, fazer carinho com as palavras não é ficar repetindo o
tempo todo: “Eu te amo, eu te amo...” Barthes advertia: “Passada a primeira
confissão, ‘eu te amo’ não quer dizer mais nada”. É na conversa que o nosso
verdadeiro corpo se mostra, não em sua nudez anatômica, mas em sua nudez
poética. Recordo a sabedoria de Adélia Prado: “Erótica é a alma”.


O tênis é um jogo feroz. O seu objetivo é derrotar o adversário. E a sua
derrota se revela no seu erro: o outro foi incapaz de devolver a bola. Joga-se
tênis para fazer o outro errar. O bom jogador é aquele que tem a exata noção do
ponto fraco do seu adversário - e é justamente para aí que ele vai dirigir a
sua cortada - palavra muito sugestiva, que indica o seu objetivo sádico, que é
o de cortar, interromper, derrotar. O prazer do tênis se encontra, portanto,
justamente no momento em que o jogo não pode mais continuar porque.o adversário
foi colocado fora de jogo. Termina sempre com a alegria de um e a tristeza de
outro.


O frescobol se parece muito com o tênis: dois jogadores, duas raquetes e
uma bola. Só que, para o jogo ser bom, é preciso que nenhum dos dois perca. Se
a bola veio meio torta, a gente sabe que não foi de propósito e faz o maior
esforço do mundo para devolvê-la gostosa, no lugar certo, para que o outro
possa pegá-la. Não existe adversário porque não há ninguém a ser derrotado.
Aqui ou os dois ganham ou ninguém ganha. E ninguém fica feliz quando o outro
erra - pois o que se deseja é que ninguém erre. O erro de um, no frescobol, é
como ejaculação precoce: um acidente lamentável que não deveria ter acontecido,
pois o gostoso mesmo é aquele ir e vir, ir e vir, ire vir... E o que errou pede
desculpas, e o que provocou o erro se sente culpado. Mas não tem importância:
começa-se de novo este delicioso jogo em que ninguém marca pontos...


A bola: são as nossas fantasias, irrealidades, sonhos sob a forma de
palavras. Conversar é ficar batendo sonho pra lá, sonho pra cá...


Mas há casais que jogam com os sonhos como se jogassem tênis. Ficam à
espera do momento certo para a cortada. Camus anotava no seu diário pequenos
fragmentos para os livros que pretendia escrever. Um deles, que se encontra nos
Primeiros Cadernos, é sobre este jogo
de tênis: “Cena: o marido, a mulher, a galeria. O primeiro tem valor e gosta de
brilhar. A segunda guarda silêncio, mas, com pequenas frases secas, destrói
todos os propósitos do caro esposo. Desta forma marca constantemente a sua
superioridade. O outro domina-se, mas sofre uma humilhação e é assim que nasce o
ódio. Exemplo: com um sorriso: ‘Não se faça mais estúpido do que é, meu amigo’.
A galeria torce e sorri pouco à vontade. Ele cora, aproxima-se dela, beija-lhe
a mão suspirando: ‘Tens razão, minha querida.’ A situação está salva e o ódio
vai aumentando.”


Tênis é assim: recebe-se o
sonho do outro para destruí-lo, arrebentá-lo, como bolha de sabão... O que se
busca é ter razão e o que se ganha é o distanciamento. Aqui, quem ganha sempre
perde.


Já no frescobol é diferente: o sonho do outro é um brinquedo que deve ser
preservado, pois se sabe que, se é sonho, é coisa delicada, do coração. O bom
ouvinte é aquele que, ao falar, abre espaços para que as bolhas de sabão do
outro voem livres. Bola vai, bola vem - cresce o amor... Ninguém ganha para que
os dois ganhem. E se deseja então que o outro viva sempre, eternamente, para
que o jogo nunca tenha fim...


(Correio Popular, 1991 ou 1992)

Andy McKee - Everybody Wants To Rule The World

Andy McKee - Stairway To Heaven