domingo, outubro 09, 2011

A COISA MAIS IMPORTANTE.....



A coisa mais importante do mundo

A intelectual e ativista canadense fez um discurso histórico à Assembleia Geral do movimento Ocupar Wall Street.

Por Naomi Klein [07.10.2011 01h10]

Tradução e nota introdutória de Idelber Avelar
Naomi Klein é hoje uma das principais intelectuais e militantes anticapitalistas do planeta. Jovem (nasceu em 1970), apaixonada, corajosa, de brilhante trânsito por uma série de disciplinas e potente domínio da retórica, ela já se destacara como figura central nos protestos de 1999 contra a financeirização do mundo. Em 2000, lançou No Logo, uma crítica das multinacionais e do seu uso do trabalho escravo. Mas foi seu terceiro livro, A Doutrina do Choque: A Ascensão do Capitalismo do Desastre, que a elevou à condição de uma das principais intelectuais de esquerda do mundo. Com capítulos sobre os EUA, a Inglaterra de Thatcher, o Chile de Pinochet, o Iraque pós-invasão, a África do Sul, a Polônia, a Rússia e os tigres asiáticos, Klein demonstra como o capitalismo contemporâneo funciona à base da produção de desgraças, apropriando-se delas para o contínuo saqueio e privatização da riqueza pública. De família judia, Klein participou, em 2009, durante o massacre israelense a Gaza, da campanha “Desinvestimento, Sanções e Boicote” (BDS) contra Israel. Num discurso em Ramalá, pediu perdão aos palestinos por não ter se juntado antes à campanha BDS.
Nesta quinta-feira, 06 de outubro, Naomi Klein compareceu, convidada, à Assembleia Geral de Nova York. A amplificação foi banida pela polícia. Não havia microfones. Num inesquecível gesto, a multidão mais próxima a Klein repetia suas frases, para que os mais distantes pudessem ouvir e, por sua vez, repeti-las também. Era o "microfone humano". O memorável discurso de Klein foi assistido por dezenas de milhares de pessoas via internet. A Fórum publica o texto em português em primeira mão. É um comovente documento da luta de nosso tempo.
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Eu amo vocês.
E eu não digo isso só para que centenas de pessoas gritem de volta “eu também te amo”, apesar de que isso é, obviamente, um bônus do microfone humano. Diga aos outros o que você gostaria que eles dissessem a você, só que bem mais alto.
Ontem, um dos oradores na manifestação dos trabalhadores disse: “Nós nos encontramos uns aos outros”. Esse sentimento captura a beleza do que está sendo criado aqui. Um espaço aberto (e uma ideia tão grande que não pode ser contida por espaço nenhum) para que todas as pessoas que querem um mundo melhor se encontrem umas às outras. Sentimos muita gratidão.
Se há uma coisa que sei, é que o 1% adora uma crise. Quando as pessoas estão desesperadas e em pânico, e ninguém parece saber o que fazer: eis aí o momento ideal para nos empurrar goela abaixo a lista de políticas pró-corporações: privatizar a educação e a seguridade social, cortar os serviços públicos, livrar-se dos últimos controles sobre o poder corporativo. Com a crise econômica, isso está acontecendo no mundo todo.
Só existe uma coisa que pode bloquear essa tática e, felizmente, é algo bastante grande: os 99%. Esses 99% estão tomando as ruas, de Madison a Madri, para dizer: “Não. Nós não vamos pagar pela sua crise”.
Esse slogan começou na Itália em 2008. Ricocheteou para Grécia, França, Irlanda e finalmente chegou a esta milha quadrada onde a crise começou.
“Por que eles estão protestando?”, perguntam-se os confusos comentaristas da TV. Enquanto isso, o mundo pergunta: “por que vocês demoraram tanto? A gente estava querendo saber quando vocês iam aparecer.” E, acima de tudo, o mundo diz: “bem-vindos”.
Muitos já estabeleceram paralelos entre o Ocupar Wall Street e os assim chamados protestos anti-globalização que conquistaram a atenção do mundo em Seattle, em 1999. Foi a última vez que um movimento descentralizado, global e juvenil fez mira direta no poder das corporações. Tenho orgulho de ter sido parte do que chamamos “o movimento dos movimentos”.
Mas também há diferenças importantes. Por exemplo, nós escolhemos as cúpulas como alvos: a Organização Mundial do Comércio, o Fundo Monetário Internacional, o G-8. As cúpulas são transitórias por natureza, só duram uma semana. Isso fazia com que nós fôssemos transitórios também. Aparecíamos, éramos manchete no mundo todo, depois desaparecíamos. E na histeria hiper-patriótica e nacionalista que se seguiu aos ataques de 11 de setembro, foi fácil nos varrer completamente, pelo menos na América do Norte.
O Ocupar Wall Street, por outro lado, escolheu um alvo fixo. E vocês não estabeleceram nenhuma data final para sua presença aqui. Isso é sábio. Só quando permanecemos podemos assentar raízes. Isso é fundamental. É um fato da era da informação que muitos movimentos surgem como lindas flores e morrem rapidamente. E isso ocorre porque eles não têm raízes. Não têm planos de longo prazo para se sustentar. Quando vem a tempestade, eles são alagados.
Ser horizontal e democrático é maravilhoso. Mas esses princípios são compatíveis com o trabalho duro de construir e instituições que sejam sólidas o suficiente para aguentar as tempestades que virão. Tenho muita fé que isso acontecerá.
Há outra coisa que este movimento está fazendo certo. Vocês se comprometeram com a não-violência. Vocês se recusaram a entregar à mídia as imagens de vitrines quebradas e brigas de rua que ela, mídia, tão desesperadamente deseja. E essa tremenda disciplina significou, uma e outra vez, que a história foi a brutalidade desgraçada e gratuita da polícia, da qual vimos mais exemplos na noite passada. Enquanto isso, o apoio a este movimento só cresce. Mais sabedoria.
Mas a grande diferença que uma década faz é que, em 1999, encarávamos o capitalismo no cume de um boom econômico alucinado. O desemprego era baixo, as ações subiam. A mídia estava bêbada com o dinheiro fácil. Naquela época, tudo era empreendimento, não fechamento.
Nós apontávamos que a desregulamentação por trás da loucura cobraria um preço. Que ela danificava os padrões laborais. Que ela danificava os padrões ambientais. Que as corporações eram mais fortes que os governos e que isso danificava nossas democracias. Mas, para ser honesta com vocês, enquanto os bons tempos estavam rolando, a luta contra um sistema econômico baseado na ganância era algo difícil de se vender, pelo menos nos países ricos.
Dez anos depois, parece que já não há países ricos. Só há um bando de gente rica. Gente que ficou rica saqueando a riqueza pública e esgotando os recursos naturais ao redor do mundo.
A questão é que hoje todos são capazes de ver que o sistema é profundamente injusto e está cada vez mais fora de controle. A cobiça sem limites detona a economia global. E está detonando o mundo natural também. Estamos sobrepescando nos nossos oceanos, poluindo nossas águas com fraturas hidráulicas e perfuração profunda, adotando as formas mais sujas de energia do planeta, como as areias betuminosas de Alberta. A atmosfera não dá conta de absorver a quantidade de carbono que lançamos nela, o que cria um aquecimento perigoso. A nova normalidade são os desastres em série: econômicos e ecológicos.
Estes são os fatos da realidade. Eles são tão nítidos, tão óbvios, que é muito mais fácil conectar-se com o público agora do que era em 1999, e daí construir o movimento rapidamente.
Sabemos, ou pelo menos pressentimos, que o mundo está de cabeça para baixo: nós nos comportamos como se o finito – os combustíveis fósseis e o espaço atmosférico que absorve suas emissões – não tivesse fim. E nos comportamos como se existissem limites inamovíveis e estritos para o que é, na realidade, abundante – os recursos financeiros para construir o tipo de sociedade de que precisamos.
A tarefa de nosso tempo é dar a volta nesse parafuso: apresentar o desafio à falsa tese da escassez. Insistir que temos como construir uma sociedade decente, inclusiva – e ao mesmo tempo respeitar os limites do que a Terra consegue aguentar.
A mudança climática significa que temos um prazo para fazer isso. Desta vez nosso movimento não pode se distrair, se dividir, se queimar ou ser levado pelos acontecimentos. Desta vez temos que dar certo. E não estou falando de regular os bancos e taxar os ricos, embora isso seja importante.
Estou falando de mudar os valores que governam nossa sociedade. Essa mudança é difícil de encaixar numa única reivindicação digerível para a mídia, e é difícil descobrir como realizá-la. Mas ela não é menos urgente por ser difícil.
É isso o que vejo acontecendo nesta praça. Na forma em que vocês se alimentam uns aos outros, se aquecem uns aos outros, compartilham informação livremente e fornecem assistência médica, aulas de meditação e treinamento na militância. O meu cartaz favorito aqui é o que diz “eu me importo com você”. Numa cultura que treina as pessoas para que evitem o olhar das outras, para dizer “deixe que morram”, esse cartaz é uma afirmação profundamente radical.
Algumas ideias finais. Nesta grande luta, eis aqui algumas coisas que não importam:
Nossas roupas.
Se apertamos as mãos ou fazemos sinais de paz.
Se podemos encaixar nossos sonhos de um mundo melhor numa manchete da mídia.

E eis aqui algumas coisas que, sim, importam:
Nossa coragem.
Nossa bússola moral.
Como tratamos uns aos outros.
Estamos encarando uma luta contra as forças econômicas e políticas mais poderosas do planeta. Isso é assustador. E na medida em que este movimento crescer, de força em força, ficará mais assustador. Estejam sempre conscientes de que haverá a tentação de adotar alvos menores – como, digamos, a pessoa sentada ao seu lado nesta reunião. Afinal de contas, essa será uma batalha mais fácil de ser vencida.
Não cedam a essa tentação. Não estou dizendo que vocês não devam apontar quando o outro fizer algo errado. Mas, desta vez, vamos nos tratar uns aos outros como pessoas que planejam trabalhar lado a lado durante muitos anos. Porque a tarefa que se apresenta para nós exige nada menos que isso.
Tratemos este momento lindo como a coisa mais importante do mundo. Porque ele é. De verdade, ele é. Mesmo.

quarta-feira, outubro 05, 2011

A ENXURRADA ENGANOSA DE GRANDES IDEIAS!




Estamos nos dando conta do potencial nocivo da enxurrada de informações que estamos recebendo pela alta conectividade. Estamos conectados uns aos outros, outros que são todos os habitantes da Terra conectados a internet. É a revolução digital em curso que não somos ainda capazes de nos adaptar devido a sua velocidade e poder. Ei, estamos no meio da revolução.

Mas como em outras revoluções, o ser humano vai saber se adaptar e por ordem no caos que impera hoje. Estamos agregando os feeds, estamos nos organizando rapidamente para que filtremos esse mundo de terabytes de informação em apenas subsídios para o que precisamos para sobreviver e prosperar. Sim, há a ameaça de nos tornarmos habitantes te uma matrix mais poderosa que a mídia 1.0 mas haverá sempre quem possa nos liderar em torno de mais esse apocalipse.
(Talvez mais importante do que ler a tese deste autor a fundo, é ler o quanto mais inteligente são os comentários populares que nunca teriam acontecido se não estivéssemos nessa nova era digital. Clique aqui para a matéria “The Elusive Great Idea” no New York Times e leia os comentários, se lhe interessar saber mais.)
Abaixo a matéria “The elusive great idea” de Neal Gabler na íntegra traduzida pelo Estadão:

No mundo pós-ideia, recebemos trilhões de dados, muitas vezes insignificantes, sem parar para pensar

O número de julho/agosto de The Atlantic alardeia as “14 Maiores Ideias do Ano”. Prenda o fôlego. As ideias incluem “Os jogadores são os donos do jogo” (n.º 12), “Wall Street: a mesma de sempre” (n.º 6), “Nada permanece secreto!” (n.º 2), e a maior de todas do ano, “A ascensão da classe média – só que não a nossa”, que se refere às economias em crescimento de Brasil, Rússia, Índia e China.
Pode soltar o ar. O leitor deve achar que nenhuma dessas ideias parece particularmente de tirar o fôlego. Nenhuma delas, aliás, é uma ideia.
Elas são mais observações. Mas não se deve culpar The Atlantic por confundir lugares comuns com visão intelectual. As ideias simplesmente não são o que costumavam ser. Em um passado distante, elas podiam acender debates, estimular outros pensamentos, incitar revoluções e mudar fundamentalmente as maneiras como observamos e pensamos o mundo.
Elas podiam penetrar na cultura geral e transformar pensadores em celebridades – notadamente Albert Einstein, mas também Reinhold Niebuhr, Daniel Bell, Betty Friedan, Carl Sagan e Stephen Jay Gould, para citar alguns. As próprias ideias podiam se tornar famosas: por exemplo, “o fim da ideologia”, “o meio é a mensagem”, “a mística feminina”, “a teoria do Big Bang”, “o fim da história”. A grande ideia podia ganhar a capa da revista Time – “Deus está morto?” – e intelectuais como Norman Mailer, William F. Buckley Jr. e Gore Vidal seriam eventualmente convidados para as poltronas dos talk shows de fim de noite. Isso foi há uma eternidade.
Se nossas ideias parecem menores hoje, não é porque somos mais burros do que nossos antepassados, mas simplesmente porque não ligamos tanto para as ideias quanto eles ligavam. Aliás, estamos vivendo cada vez mais em um mundo pós-ideia – um mundo em que as ideias grandes, as que fazem pensar, que não podem ser instantaneamente monetizadas, têm tão pouco valor intrínseco que menos pessoas as estão gerando e menos canais as estão disseminando, a despeito da internet. As ideias ousadas estão praticamente fora de moda.
Argumento lógico. Não é segredo, especialmente nos Estados Unidos, que vivemos numa era pós-Iluminismo na qual racionalidade, ciência, argumento lógico e debate perderam a batalha em muitos setores e, talvez, até na sociedade em geral, para superstição, fé, opinião e ortodoxia. Embora continuemos fazendo avanços tecnológicos gigantescos, podemos estar na primeira geração que girou para trás o relógio da história – que retrocedeu intelectualmente de modos avançados de pensar para os velhos modos das crenças. Mas pós-Iluminismo e pós-ideia, embora relacionados, não são exatamente a mesma coisa.
Pós-Iluminismo refere-se a um estilo de pensar que já não mobiliza as técnicas do pensamento racional. Pós-ideia refere-se ao pensar que não é mais feito, independentemente do estilo.
O mundo pós-ideia vem se aproximando faz tempo, e muitos fatores contribuíram para isso. Vemos o recuo nas universidades do mundo real, e um encorajamento, e premiação, da especialização mais estreita em lugar da ousadia – de cuidar de plantas envasadas em vez de plantar florestas.
Vemos o eclipse do intelectual público na mídia em geral pelo sabichão que substitui extravagâncias por ponderação, e o concomitante declínio do ensaio em revistas de interesse geral. E temos a ascensão de uma cultura cada vez mais visual, especialmente entre os jovens – uma forma menos favorável à expressão de ideias.
Mas esses fatores, que começaram há décadas, foram mais provavelmente arautos do advento de um mundo pós-ideia que suas causas principais.
Vivemos na muito alardeada Era da Informação. Por cortesia da internet, temos a impressão de ter acesso imediato a tudo que alguém poderia querer saber. Certamente somos mais bem informados em história, ao menos quantitativamente. Há trilhões e trilhões de bytes circulando no éter – tudo para ser colhido e ser objeto de pensamento.
E é precisamente essa a questão. No passado, nós colhíamos informações não só para saber coisas. Isso era apenas o começo. Nós também colhíamos informações para convertê-las em alguma coisa maior que fatos e, em última análise, mais útil – em ideias que explicavam as informações. Buscávamos não só apreender o mundo, mas realmente compreendê-lo, que é a função primordial das ideias. Grandes ideias explicam o mundo e nos explicam uns aos outros.
Karl Marx chamou a atenção para a relação entre os meios de produção e nossos sistemas sociais e políticos. Sigmund Freud nos ensinou a explorar nossas mentes como meio para compreender nossas emoções e comportamentos. Einstein reescreveu a física. Mais recentemente, Marshall McLuhan teorizou sobre a natureza da comunicação moderna e seu efeito na vida moderna. Essas ideias permitiram que nos desprendêssemos de nossa existência e tentássemos responder as grandes e atemorizantes questões de nossas vidas.
Mas se a informação foi um dia um alimento de ideias, na última década ela se tornou sua concorrente. Estamos como o agricultor que possui trigo demais para fabricar farinha. Somos inundados por tanta informação que não teríamos tempo para processá-la mesmo que o quiséssemos, e a maioria de nós não quer.
A coleta em si é cansativa: o que cada um de nossos amigos está fazendo neste particular momento, e no momento seguinte, e no seguinte; com quem Jennifer Aniston está saindo agora; qual video se tornará viral no YouTube neste momento; o que a princesa Letizia ou Kate Middleton estão usando hoje. Aliás, estamos vivendo dentro da nuvem de uma Lei de Gresham informática onde informações triviais expulsam informações significativas, mas trata-se também uma lei de Gresham nocional em que as informações, triviais ou não, expulsam ideias.

Preferimos conhecer a pensar porque o conhecer tem mais valor imediato.

Ele nos mantém “por dentro”, nos mantém conectados com nossos amigos e nossa tribo. As ideias são tão etéreas, tão pouco práticas, trabalho demais para recompensa de menos. Poucos falam ideias. Todos falam informação, geralmente informação pessoal. Onde é que você vai? O que está fazendo? Quem você anda vendo? Estas são as grandes questões de hoje.
Não é por acaso, com certeza, que o mundo pós-ideia brotou com o mundo das redes de relacionamento social. Apesar de haver sites e blogs dedicados a ideias, Twitter, Facebook, Myspace, etc ., os sites mais populares na web, são basicamente bolsas de informações destinadas a alimentar a fome insaciável de informação, embora essa dificilmente seja do tipo de informação que gera ideias. Ela é, em grande parte, inútil exceto na medida em que faz o possuidor da informação se sentir, bem… informado. Evidentemente, pode-se argumentar que esses sites não são diferentes do que a conversa era para gerações anteriores, e a conversa raramente criava grandes ideias, e se estaria certo.
Mas a analogia não é perfeita. Em primeiro lugar, os sites de relacionamento social são a principal forma de comunicação entre jovens, e estão suplantando os meios impressos, que é onde as ideias eram tipicamente gestadas. Depois, os sites de relacionamento social criam hábitos mentais que são inimigos do tipo de discurso deliberado que dá origem a ideias. Em lugar de teorias, hipóteses e argumentos importantes, obtemos tuítes instantâneos de 140 caracteres sobre comer um sanduíche ou assistir um programa de TV.
Universo intelectual. Embora as redes sociais possam alargar o círculo pessoal de alguém e até apresentá-lo a estranhos, isso não é mesma coisa que alargar o universo intelectual pessoal. Aliás, a tagarelice das redes sociais tende a encolher o universo da pessoa a ela mesma e seus amigos, enquanto pensamentos organizados em palavras, seja online seja na página impressa, alargam o foco pessoal.
Parafraseando o ditado famoso, geralmente atribuído ao jogador de beisebol americano “Yogi” Berra, de que não dá para pensar e rebater ao mesmo tempo, também não se pode pensar e tuitar ao mesmo tempo, não por ser impossível fazer tarefas múltiplas, mas porque tuitar – que é, em grande parte, um jorro, ou de opiniões breves sem sustentação, ou de descrições breves das próprias atividades prosaicas – é uma forma de distração e anti-pensamento.
As implicações para uma sociedade que não pensa grande são enormes. As ideias não são meros brinquedos intelectuais. Elas têm consequências práticas.
Um artista amigo lamentou recentemente que sentia o mundo da arte à deriva, pois não havia mais grandes críticos como Harold Rosenberg e Clement Greenberg para oferecer teorias da arte que poderiam fazer a arte frutificar e se revigorar. Outro amigo desenvolveu um argumento parecido sobre política. Embora os partidos debatam sobre quanto cortar no orçamento, ele gostaria de saber onde estão os John Rawises e Robert Nozicks que poderiam elevar o nível de nossa política.
Abundância de dados. O mesmo seguramente poderia ser dito da economia, onde John Maynard Keynes continua sendo o centro do debate quase 80 anos depois de propor sua teoria de injeção de estímulos pelo governo. Isso não significa que os sucessores de Rosenberg, Rawls e Keynes não existam, apenas que, se existirem, eles provavelmente não ganharão tração numa cultura que tem tão pouco uso para ideias, especialmente as grandes, excitantes e perigosas, e isso é verdade quer as ideias venham de acadêmicos ou de outros que não fazem parte de organizações de elite e desafiam a sabedoria convencional. Todos os pensadores são vítimas da abundância de informação, e as ideias dos pensadores de hoje também são vítimas dessa abundância.
Mas é especialmente verdade para grandes pensadores nas ciências sociais como o psicólogo cognitivo Steven Pinker, que teorizou sobre tudo – da origem da linguagem ao papel da genética na natureza humana -, ou o biólogo Richard Dawkins, que teve ideias grandes e controvertidas sobre tudo – do egoísmo a Deus -, ou o psicólogo Jonathan Haidt, que analisou sistemas morais diferentes e extraiu conclusões fascinantes sobre a relação – de moralidade a crenças políticas.
Mas como eles são cientistas e empíricos e não generalistas nas humanidades, o lugar a partir do qual as ideias eram costumeiramente popularizadas, eles sofrem um duplo golpe: não só o golpe contra as ideias em geral, mas o golpe contra a ciência, que é tipicamente considerada na mídia, na melhor hipótese, como mistificadora, na pior, como incompreensível. Uma geração atrás, esses homens teriam chegado a revistas populares e às telas da televisão. Agora, eles são expelidos pelo eflúvio informacional.
Alguém certamente dirá que as grandes ideias migraram para o mercado, mas há uma enorme diferença entre invenções com fins lucrativos e pensamentos intelectualmente desafiadores. Empresários têm muitas ideias, e alguns, como Steve Jobs, da Apple, trouxeram algumas ideias brilhantes no sentido “inovador” da palavra.
Mas, embora essas ideias possam mudar a maneira como vivemos, elas raramente transformam a maneira como pensamos. Elas são materiais, não nocionais. São os pensadores que estão em falta, e a situação provavelmente não vai mudar tão cedo.
Nós nos tornamos narcisistas da informação, tão desinteressados por qualquer coisa fora de nós e de nossos círculos de amizade ou por qualquer petisco que não possamos partilhar com esses amigos que se um Marx ou um Nietzsche surgisse subitamente trombeteando suas ideias, ninguém lhe daria a menor atenção, certamente não a mídia em geral, que aprendeu a servir ao nosso narcisismo.
O que o futuro pressagia é cada vez mais informação – Everests dela. Não haverá nada que não conheçamos. Mas não haverá ninguém pensando nisso. Pense nisso.